De vez em quando fico obcecado em destrinchar discografias que foram julgadas por motivos aleatórios que não a qualidade musical. Meu império romano destas discografias sempre será a música que Elvis produziu anos 70 e que estão folcloricamente associadas a Las Vegas, lantejoulas, tiros em televisores e seu peso. Paira sobre essa fase uma injusta nuvem de decadência sobre um homem que morreu com apenas 42 anos. Na época o entretenimento ainda não havia se acostumado a lidar com o envelhecimento de seus ídolos. Apenas como comparativo, nos anos 90 o Rolling Stones eram chamados de dinossauros aos 50 anos simplesmente porque nenhuma banda havia durado tanto, hoje os caras do Pearl Jam são mais velhos que os Stones, não são julgados da mesma forma e o mercado do Classic Rock vive firme e forte mundo afora.
Voltando ao assunto dos álbuns que Elvis produziu no anos 70, eles são comumente confundidos com álbuns ao vivo gravados em algum hotel esquisito de Las Vegas por causa de suas capas confusas em que o homem estava sempre empregado em um macacão pesado de tantas informações. Na verdade esses álbuns haviam sido registrados em estúdios durante 4 ou 5 dias de sessões que ocorriam a cada 2 anos nas cidades de Memphis e Nashville. Com essas fitas a equipe de Elvis decidia o que faria pelos anos seguintes, o que poderia ser um Rocumentário (That's the Way It Is), um disco de temático cheio de vinhetas (Elvis Country), um álbum religioso (He touch me), mais um álbum de natal ou quem sabe até um disco mais roqueiro (Raised on Rock).
Aqui começa o problema: Coronel Tom Parker, lendário empresário picareta do Elvis, queria mesmo era vender ingressos dos shows, então contratava produtores para adicionar um amontoado de gravações extras por cima do que havia sido registrado em estúdio no intuito de emular a estética dos shows que eram cheios de plateias falsas, sopros de metais e corais cansativos (por mais que as vezes fossem as Sweet Inspirations, as auxiliares da Aretha). Some isso ao fato do Elvis não deixar ser fotografado fora do palco e você tem o resultado: todos os álbuns pareciam ser variações do mesmo disco. Faça o teste: vá no streaming e tente descobrir quais são álbuns de estúdio e quais são ao vivo.
O mundo seguiu com essas gravações picaretas gerando dezenas de álbuns póstumos sem nenhum critério ou uma curadoria que mantivesse a integridade da carreira de Elvis até o final dos anos 90 quando a música pop entrou no modo de remasterizar tudo para lançamentos especiais em cds. Foi a partir dessas remasterizações especiais, do sucesso do relançamento de 30 anos do “comeback 68” e “Tiger man” que surgiram novas possibilidades de arrancar dinheiro dos fãs do Elvis e foi ai que os álbuns “nus” de Elvis vieram ao mundo.
Elvis in Nashville, Elvis at Stax, Elvis: Back In Nashville e Way down in the jungle room1 cobrem todas as sessões de estúdio que deram origem aos álbuns do homem nos anos 70 sem o famigerado acréscimo de instrumentos. Esses quatro discos imensos (244 músicas somando tudo!) captam Elvis e mais cinco ou seis caras tocando ao vivo e se divertindo sem tensão alguma. O processo de revitalização destas fitas trouxe brilho aos músicos que participavam das sessões que antes eram apagados e nem nomeados nos álbuns. Os melhores músicos de estúdio de Nashville e Memphis participavam das gravações, gente como James Burton (guitarrista escudeiro de Elvis), Eddie Hinton, Reggie Young, Charlie Hodge, Norbert Putnam e o pianista David Briggs. Você pode não conhece-los, mas eles estão presentes nos melhores álbuns gravados na década de 1970.
Algumas gravações são tão incríveis que fica difícil imaginar os motivos pelo qual ficaram guardadas por tanto tempo, como a versão de “Whole Lot-ta Shakin’ Goin’ On” em que Elvis grita e xinga como se fosse uma versão punk de si mesmo. Ou “Promised Land” de Chuck Berry que foi gravada em 1973, apenas dois anos antes do Born to Run de Bruce Springsteen surgir com uma sonoridade idêntica. “help me make it through the night”, de Kris Kristofferson soa tão honesta que parece ter sido escrita sobre o momento que Elvis estava vivendo com o fim de seu casamento. Uma canção que merece destaque especial é a versão piano, baixo, bateria e Elvis para “bridge over troubled the water”, nela ouvimos Elvis sozinho cantando como se fosse a primeira vez. Se você não se apaixonar por ele nessa canção, melhor partir para outra de uma vez. É uma delicia ouvir estes álbuns e ir assistindo a evolução das canções até ficarem perfeitas - antes de serem estragadas por exageros e excesso de polimento.
A grande ausência nesse garimpo de sessões originais são as gravações de março de 1972 que deram origem aos clássicos “Always on my mind” e “burning love”. Essas parecem estar perdidas já que só existe uma versão de estúdio para as canções e estão no álbum The fool - um disco essencialmente montado a partir das sessões de Nashville.
As ultimas sessões gravadas por Elvis foram feitas durante o anos de 1976. O álbum Way down in the jungle room cobre a fase que o homem estava separado, praticamente não saia de casa e mantinha uma sala decorada como se fosse uma floresta para gravar. A historia nos conta que a equipe da RCA parava um furgão do lado da Graceland, puxava uns fios pela casa, os músicos ficavam lá por horas tocando, refinando as canções e esperando até que uma hora Elvis aparecesse. Toda essa espera gerou arranjos fabulosos, como em “For the heart”, onde dois contra-baixos parecem apostar corrida pela canção. Esse é um álbum que precisa ser ouvido pois desfaz totalmente a ideia de que Elvis estava acabado, ele canta maravilhosamente enquanto se divide entre mostrar força em algumas canções (“for the heart”, “way down”, “i’ll never fall in love again”) e vulnerabilidade em outras (“hurt”, “danny boy”). Elvis Morreria em 1977 isolado do mundo sem perceber que seu legado estava voltando a moda com Bruce Springsteen (que compôs “fire” pensando que Elvis poderia grava-la), Tom Petty e que o mundo entraria num revival dos anos 50 que duraria por toda década de 1980.
A playlist com as 244 canções está no final do texto. Boa sorte.